top of page

I Amanhecer não é mais sinônimo de luz. Amanhecer não é mais sinônimo de ver. Amanhecer é agora revelação. Não é fumaça ou véu, é Orvalho. O mundo só existe a poucos passos de onde estou e acontece de novo, se caminho. Faz frio e o que agrada é a possibilidade de um tempo imóvel que precede o despertar. Medo é o aconchego e o conforto da inércia. Não me rendo. Sinto a pele úmida do Orvalho que cai.

II Então por se sentir incompleto, quase humanamente um rascunho, tomou posse vagarosamente das palavras e em movimentos lentos, daqueles em que, por tão lentos que são, parecem preceder a própria ideia de movimento, introduziu uma a uma as palavras em sua boca, mastigou curvas, cortes, pontos até que fosse letra e engoliu sucessivamente. Não foram muitos os livros, nem deles todas as palavras até perceber que a morte estava perto demais.

III Vozes como lixas finas arranhando o vento. Vozes velhas, insistentes e ranzinzas. Nunca sozinhas gritam intermitentes até o fim. Um dia caminhei por entre elas invadida. Hoje, quieta, continuo a ouvi-las. Não há fuga possível para o canto das cigarras. Estou cercada de verde. Vai chover.

IV 4 mulheres. 4 ruas. 4 travessias. Em meio a gestos mecânicos uma visão petrifica o tempo: 2 ciganas com tranças e longas saias não estão vagando. Carregam sacolas nas mãos, procuram encontrar a vida, correm e atravessam. Outra vestindo vermelho, chapéu vermelho num tempo quente busca a sombra onde está. Senta e espera de braços cruzados enquanto seu olhar caminha. Caminha também a última – tem pressa. Boneca? Criança? Cabelos cacheados curtos com flores e sem aparente destino. Sôfrega e esperta agora vai. E tudo volta a ficar rotineiramente passível.

bottom of page